Pará, terra do cacau
Em 22
de março de 1755, o Conselho Ultramarino, órgão administrativo responsável por deliberar
sobre negócios da Coroa portuguesa nas colônias do Ultramar, consulta o rei D.
José I sobre o pedido de Bulhões e Sousa, na época Bispo do Pará, que
solicitava sessenta mil cruzados em cacau para as obras da Catedral de Belém. O
ano, 1755, coincide com o período em que Antônio Landi, arquiteto italiano radicado
na cidade desde 1753, assume a direção das obras da atual Catedral da Sé, sede
da Arquidiocese de Belém.
O
registro, entre outros que constam nos arquivos ultramarinos de Portugal, ilustra
a importância histórica do cacau na formação territorial e econômica da
Amazônia. Frederico Afonso, renomado pesquisador da CEPLAC e autor de “O cacau
na Amazônia” (1979), retrata que, no início da década de 1730, o cacau já se
tornara o principal produto de exportação da Amazônia, posição que continuaria
a ocupar por mais de um século, tendo como principal via de exportação o Porto
de Belém.
No
Pará, o cultivo do cacau, fruto endêmico e nativo da região amazônica, ganhou
forte destaque na última década, período em que a produção apresentou um crescimento
anual contínuo, notadamente a partir da criação, em 2008, do Fundo Estadual de
Apoio à Cacauicultura (Funcacau). Em 2016, com o cultivo em plena expansão, o
Pará ultrapassou a Bahia como maior produtor de sementes de cacau do país.
Nos
dias atuais, a história do cacau no Pará é contada por pequenos e médios produtores
da região da Transamazônica, principal polo de cultivo, que engloba sete municípios,
com destaque para Medicilândia, maior produtor de amêndoas do Brasil. Élido
Trevisan (Fazendo Lindo Dia, km 76, Medicilândia), Elcy e Eunice Gutzeit (Fazenda
Panorama, km 140, Uruará) e Darcírio Vronski (km 100, Medicilândia), que produz
exclusivamente cacau orgânico, são alguns desses produtores que, juntamente com
suas famílias, migraram para a região com a abertura da rodovia nos anos 1970 e
são, hoje, referência no cultivo do cacau.
Com o
título de capital nacional do cacau, Medicilândia é sede da primeira fábrica cooperativa
de chocolate da Amazônia, a Cacauway, mantida pela Cooperativa Agroindustrial
da Transamazônica (Coopatrans), composta por 40 cooperados que, por meio do
manejo de sistemas agroflorestais (SAFs), produzem cacau de alta qualidade. A
alta produtividade dos cacaueiros se deve, em grande parte, ao solo fértil da
região, rico em manchas de terra roxa e presente ao longo dos extensos travessões
e vicinais da Transamazônica.
Devido
ao volume de produção, a lavoura cacaueira é uma atividade que gera empregos e
movimenta a economia local, sem refletir, porém, no desenvolvimento dos
municípios da Transamazônica. Nesse sentido, a carência de arranjos horizontais
e verticais de produção e o grau elevado de transações informais, aliados à
presença de uma estrutura de mercado que não favorece o desenvolvimento local,
constituem enormes desafios para a região.
Frente
a esses desafios, coloca-se como alternativa a fomentação do associativismo cooperativista
já presente nessa porção de território. Ao se fortalecer o cooperativismo,
aumentam-se as possibilidades de o produtor participar de novos mercados sem
intermediários, por assim dizer, em detrimento da rede de atravessadores e do
sistema de preços impostos por transnacionais que atuam na região.
A
implantação de estruturas de beneficiamento apresenta-se também como alternativa,
uma vez que, atualmente, quase toda a produção
paraense é levada para o Nordeste para ser beneficiada na indústria da
Bahia. No município de Ilhéus-BA, de um total de exportações no montante de US$
233,15 milhões em 2017, 99,5% dos produtos exportados estão associados ao cacau
e seus derivados (COMEX/MDIC, 2018).
Enquanto
isso, segundo dados oficiais, Medicilândia desponta entre os cem municípios com
pior índice de desenvolvimento humano municipal (IDHm) em todo o Brasil: 0,582.
Sua infraestrutura urbana é precária e a renda per capita da população é três
vezes inferior ao salário mínimo. A condição de maior município produtor de
cacau do país não se reflete na qualidade de vida de seus habitantes.
Ao se
chegar a Medicilândia, nada remete ao fato de que ali se encontra a capital nacional
do cacau. Sequer existe, na entrada da cidade, um pórtico que faça referência a
tão nobre título. Essa realidade precisa mudar.
Por
Hyngra Nunes, Paula Zumero e Rodolpho Zahluth Bastos (PPGEDAM/NUMA/UFPA)
O
texto original com o título “Terra do cacau” foi publicado no jornal Diário do
Pará de 21/01/2018, caderno A, pág. 14.
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