Eleições portuguesas demonstram altos índices de abstenção

A jovem Camila Martins completou 18 anos no último 9 de junho. Assim como ela, milhares de jovens portugueses estão aptos para votarem pela primeira vez nas eleições autárquicas que ocorrem hoje (26), em Portugal. No pleito – que ocorre de quatro em quatro anos e serve para eleger os órgãos do poder local – estão em disputas a eleição de 308 presidentes de câmaras municipais, vereadores e assembleias municipais, assim como a escolha de 3.091 assembleias de freguesia, das quais irão sair os executivos das juntas de freguesia. Em Portugal, o voto não é obrigatório, mas é considerado dever cívico, que, para Camila Martins, é de extrema importância. “Penso que faz parte da responsabilidade e senso de cada um votar na pessoa ou no grupo de pessoas que considera suficientemente competente para atender tanto às necessidades individuais, como coletivas e, também, de acordo com as ideologias de cada um de nós. O que me motiva a votar é sobretudo saber que quem vai ficar no Poder será alguém com capacidades, competências e que ouça a voz do povo, atenda às necessidades e saiba fazer justiça, para tornar o nosso país mais equilibrado e justo”. A Base de Dados Portugal Contemporâneo (Pordata.pt) publicou que em 2017 havia um total de 9.411.442 eleitores, destes: 5.173.063 votantes e 4.238.379 abstências. Nesse ano, cerca de 45% dos eleitores portugueses absteram-se abstiveram-se de comparecer à urna. Já no ano de 2019, o percentual aumentou para 51,4% de abstenções. Esses dados denotam um crescimento exponencial de abstenção, considerando que em 1976, quando ocorreu a primeira eleição no regime democrático, o percentual de abstenções era de apenas 8,5%. O secretário-geral da juventude socialista, Miguel Costa Matos, publicou artigo no site do Partido Socialista, no qual externava sua grande preocupação com a abstenção eleitoral, sobretudo dos jovens eleitores. “Um dos grandes problemas que o país enfrenta é sem dúvida a abstenção, essencialmente a abstenção jovem. A abstenção, ou como o nosso dicionário de língua portuguesa define: ato de recusa voluntária de participar numa votação, é a grande vencedora das eleições em Portugal. Esta é uma verdade que incomoda e insistimos em não querer ver e em nada fazer”. Para ele, há vários motivos que provocam a abstenção, como: a descrença que o povo português tem na política nacional e nos seus governantes, o pensamento de que um voto no meio de tantos milhões de eleitores não fará diferença e, ainda, a ideia de que ganham sempre os mesmos partidos ou políticos; então, pra quê que votar? Na contramão desses argumentos de abstenção, Camila Martins considera que participar nas eleições e ir votar é algo relevante. Ela ressalta que “acredito que é o dever de cada pessoa do nosso país o fazer. Votar é lutar contra a submissão do Poder por parte de outros representantes que não estão aptos, ou melhor, que cada pessoa não considera apta para exercer um cargo político, e, portanto, a população não pode ser um mero espectador. Só há poucos anos é que o direito ao voto se tornou uma realidade, sobretudo para as mulheres, e sendo assim votar torna-se algo único e poderoso”. Obrigatoriedade do voto pode atrair jovens eleitores? Renato Ferreira, jornalista e professor da Universidade Fernando Pessoa acredita ser um tema complexo a obrigatoriedade do voto para atrair ou afastar eleitores do processo eleitoral. “Como adepto da liberdade que sou (uma liberdade que não fira e que não interfira negativamente com a liberdade dos outros), tenho a opinião atual de que o voto não deve ser obrigatório. Não sei, sinceramente, se isso atrai ou afasta jovens da participação. Se atrai, atrai por obrigação legal, que poderá não ser o melhor motivo para se votar. Quer se vote ou não se vote, estamos sempre a participar na arena pública-política. O não votar é em si mesmo um sinal que devemos ler com atenção”, reflete. O Partido Social Democrata (PSD) e o Partido do Centro Democrático e Social (CDS) apresentaram em 1979 projetos de lei para instituição da obrigatoriedade do voto, assim como sanções para o seu incumprimento. Em 2014, Diogo Freitas do Amaral, ex-ministro de Portugal, sugeriu esta obrigatoriedade para atrair os jovens, comparando o voto a outras obrigações. “Se a vacinação e o seguro automóvel são obrigatórios em Portugal, porque é que o voto, que define o que vai ser o nosso país, não pode ser obrigatório?”, disse Diogo Amaral em entrevista ao Diário de Notícias, na edição de 4 de abril de 2014. Segundo uma sondagem publicada pelo jornal Expresso, na edição de 6 de janeiro de 2018, 41% dos portugueses eram nessa altura a favor da obrigatoriedade do voto e 52% contra. Os restantes 7% da população não demonstraram opinião acerca da matéria. O Partido das Pessoas, Animais e Natureza (PAN) apresentou, à Assembleia da República em 2019, uma proposta que defendia o direito ao voto a partir dos 16 anos. A proposta não foi aceita. Para o pesquisador João Cancela em entrevista à revista Visão, na edição de 20 de dezembro de 2020, esta é uma experiência que tem vindo a demonstrar bons resultados, já que “tem um efeito nos jovens a longo prazo: as pessoas que votam nas primeiras eleições com 16 e 17 anos tendem a votar nas eleições seguintes também”. Segundo João Cancela, face ao baixo nível de participação eleitoral dos jovens, é crucial encontrar soluções que os motivem a irem às urnas. Caso contrário, “é possível que a taxa de abstenção atinja os 70%, o que pode levar a um problema de legitimidade democrática”. Muitos questionam se a obrigatoriedade dos votos poderia ser uma saída para diminuir a abstenção. Miguel Matos, secretário da juventude socialista sugere a implantação do voto eletrônico presencial e benefícios fiscais que possam estimular a participação dos jovens no processo eleitoral. Para incentivar a participação maior dos jovens na política, a estudante de direito Benedita Magalhães, juntamente com outros doze amigos de diferentes áreas do conhecimento, criou o movimento “Cresce e Aparece”, que usa as redes sociais para falar de política de forma simples e jovial. Em entrevista ao jornal Público, edição de 14 de janeiro de 2021, ela contou que a ideia do movimento surgiu ao perceber que os portugueses tinham grande interesse nas eleições presidenciais nos Estados Unidos e pouco interesse nas eleições de Portugal. “As pessoas estão interessadas pela política de outro país, mas e em Portugal? Aquilo que nos está mais perto; aquilo que efectivamente pode mexer com a forma como vivemos?”, pensou. Na visão de Benedita Magalhães a política deve interessar a todos. “A política não é uma coisa que se tem interesse ou não. É algo que nos rodeia em todos os aspectos da nossa existência, porque vivemos numa sociedade”, ressalva. O voto é por isso “um instrumento para, de certa forma, influenciar o que se passa". “Não ir votar, ou fazê-lo de forma pouco informada, faz com que depois não se possa reclamar sobre as coisas correrem mal”. Texto Isa Arnour, Jornalista Com informações do Público.pt

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